quinta-feira, 20 de setembro de 2012

3º ano - Médio - leitura


Medo da eternidade
Clarice Lispector


Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.
- Não acaba nunca, e pronto.
Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.
- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.
- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
- Perder a eternidade? Nunca.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.
- Acabou-se o docinho. E agora?
- Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Lista de exercícios - 3° ano


1. Leia o fragmento extraído do poema Os sapos, de Manuel Bandeira:



[...]

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado
Diz: - “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos.
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
“Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...”

Urra o sapo-boi
- “Meu pai foi rei” – “Foi!”
-“Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”




a) O poema Os sapos, foi enviado por Manuel Bandeira a Graça Aranha para ser recitado na abertura da Semana de arte moderna, de 1922. Nele há uma crítica à poesia parnasiana. Essa crítica estava baseada na crença do poeta no projeto literário do modernismo. O que defendiam os modernistas?

b) O que significa dizer “Não há mais poesia/Mas há artes poeticas”, considerando as características essenciais do movimento parnasiano?

2. O que defendia o Manifesto antropofágico?

3. Leia o poema Hípica, de Oswald de Andrade:

Hípica

Saltos records
Cavalos da Penha
Correm os jóqueis de Higienópolis
Os magnatas
As meninas
E a orquestra toca
Chá
Na sala de cocktails

a) A qual vanguarda poderíamos associar o poema de Oswald de Andrade? Justifique sua resposta.

4. Por que a temática do “saudosismo” volta a ser desenvolvido pela primeira geração modernista portuguesa? Explique.


Lista de exercícios - 2° ano


1. Leia com atenção o excerto extraído do poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias.



Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Aos golpes do imigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.



a) Por que podemos afirmar queo perfil de herói projetado no excerto acimase vincula ao ideal de “bom selvagem” desenvolvido por Jean-Jacques Rousseau? Justifique utilizando passagens do texto.

b) I-Juca Pirama é um poema emblemático da corrente de primeira geração do Romantismo, a indianista. Entretanto, formalmente notamos traços clássicos à medida que o autor opta por desenvolver versos metrificados e rimados. Explique por que isso acontece.

2. A corrente nacionalista portuguesa desenvolverá sua temática em torno do resgate do passado medieval português. Explique por que isso acontece, considerando o contexto político-social e estético.

3. Considere a afirmação do professor Luiz Roncari:

Indianismo não significa apenas tomar como tema e assunto da literatura o indígena e seus costumes. Isso, de certa forma, já tinha sido feito por Basílio da Gama e Santa Rita Durão, no Uraguai e no Caramuru. Nessas obras, sobretudo no Uraguai, os indígenas aparecem, em alguns momentos, no mesmo plano que o português, sem que nenhum desses autores manifestasse a intenção de realizar uma poesia nova ou americana. Tal realização implicava também e principalmente a construção de um novo ponto de vista e de uma nova visão do indígena, apreciado agora menos como uma realidade racial que como outra realidade ética e cultural, distinta da europeia.”

A partir desta afirmação, explique por que Iracema pode ser considerado um romance indianista.

Lista de exercícios - 1° ano


1. Leia atentamente a canção de Chico Buarque, exposta abaixo:

Cecília
Chico Buarque



Quantos artistas
Entoam baladas
Para suas amadas
Com grandes orquestras
Como os invejo
Como os admiro
Eu, que te vejo
E nem quase respiro

Quantos poetas
Românticos, prosas
Exaltam suas musas
Com todas as letras
Eu te murmuro
Eu te suspiro
Eu, que soletro
Teu nome no escuro

Me escutas, Cecília?
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas

Pode ser que, entreabertos
Meus lábios de leve
Tremessem por ti
Mas nem as sutis melodias
Merecem, Cecília, teu nome
Espalhar por aí
Como tantos poetas
Tantos cantores
Tantas Cecílias
Com mil refletores
Eu, que não digo
Mas ardo de desejo
Te olho
Te guardo
Te sigo
Te vejo dormir




a) Essa canção, apesar de ser contemporânea, traz características das cantigas de amor medievais. Identifique duas características desse tipo de cantiga presentes na canção de Chico Buarque.

b) Releia: “Mas nem as sutis melodias/Merecem, Cecília, teu nome/Espalhar por aí”.
Neste excerto há um desvio em relação às normas do “código do amor cortês”. Identifique qual regra foi desrespeitada.

2. Leia com atenção:

Esquecimento
Florbela Espanca


Esse de quem eu era e era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei... tateio sombras... que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro...
A sombra dos meus olhos, a escurecer...
Veste de roxo e negro os crisântemos...

E desse que era eu meu já me não lembro...
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos...!

a) Qual temática, frequente das cantigas de amigo, está desenvolvida neste soneto?
b) Qual elemento do soneto permite identificar uma cantiga de amigo?

3. O que eram as novelas de cavalaria? Qual sua importância para a cultura medieval?

4. Observe a imagem abaixo:

A partir de 1450, os europeus contam com o advento da prensa com caracteres móveis. Esse fato foi tão importante que esta gravura, do século XIX, retrata Gutenberg, inventor da prensa, verificando a prova de uma impressão. Explique quais mudanças essa tecnologia trouxe para o desenvolvimento da literatura.






























terça-feira, 14 de agosto de 2012

Atividade de recuperação: Literatura - 3º ano


LISTA DE EXERCÍCIOS

1. Leia com atenção o que diz Ruy Espinheira Filho, a respeito do Modernismo:

“O que pretendiam, em linhas gerais, os modernistas? Resumidamente, podemos dizer que estavam insatisfeitos com a poesia que o país lhes oferecia: dura, fria, presa a uma forma preestabelecida, perdida entre deuses gregos e palácios romanos. [...] Uma poesia alheia ao meio e ao tempo. Alienada. Fora da vida. Era preciso (como dizia Mario de Andrade) dar uma alma ao Brasil, criar um gosto novo, reunir arte e vida. [...]
Em suma, o movimento fez uma redescoberta do Brasil, incentivou a pesquisa e a invenção, aposentou a ideia da beleza como convenção [...], pôs o país no século xx.”
Apud abaurre et pontara. Literatura. Tempos, leitores e leituras. P. 83

a) Qual literatura o país “oferecia” até o início do século xx? Identifique a escola literária a que o autor se refere.
b) Por que essa literatura fora considerada “alienada”? Explique.
c) Como se traduz esteticamente a “redescoberta do Brasil” feita pelos modernistas de primeira geração? Explique.

2. Leia o poema de Mario de Andrade:
Descobrimento

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chave
De sopetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no norte, meu Deus! muito longe de mim,
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro, de cabelos escorrendo nos olhos
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu...

a) De que “descobrimento” trata o texto? Justifique.
b) Quais elementos estéticos permitem identificar esse poema como sendo pertencente ao Modernismo brasileiro?
c) Por que identificar-se tão brasileiro quanto o seringueiro deixa o eu-lírico espantado, trêmulo e comovido? Explique.

3. O que pretendia Oswald de Andrade quando lançou, em 1924, o Manifesto pau-brasil?

4. Leia com atenção:

Poema tirado de uma notícia de jornal
Manuel Bandeira

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

a) Considere o projeto literário do Modernismo de primeira geração, no Brasil, e identifique um de seus elementos no poema acima.
b) Como podemos identificar a influência das Vanguardas europeias neste poema? Explique.

5. Qual proposta Pré-Modernista será consolidada pelos Modernistas, no início do século xx?

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Atividade de recuperação - 2° ano - Literatura


LISTA DE EXERCÍCIOS

1. Relacionando os textos românticos de primeira fase e o contexto em que se desenvolvem, explique em que diferem a corrente nacionalista portuguesa e brasileira. Cite ao menos dois autores e obras representantes desse movimento em Portugal e no Brasil.

2. Em que medida o “mito do bom selvagem”, definido por Jean-Jacques Rousseau, influenciou a produção literária romântica de primeira fase no Brasil. Justifique sua resposta, apoiando-se em exemplos extraído de Iracema.

3. A que se propunha José de Alencar ao compor Iracema? Explique.

4. Considerando a obra Iracema como um todo, podemos afirmar que ela mantém um vínculo com o cânone ocidental ao mesmo tempo em que traz inovações em relação à literatura produzida até o século xix. Em que consistem a inovação e a tradição literária no texto de José de Alencar? Justifique.

5. Leia atentamente a tirinha a seguir:




Nesse texto, o final “trágico” do namoro do leão remete a uma das possibilidades de fuga da realidade que normalmente ocorria nos romances românticos do século xix: a morte, a infância, o passado, a religião. Explique por que a busca pela religião era um recurso para aliviar no sujeito a dor causada pela impossibilidade de realização do amor.

Atividade de recuperação - Literatura 1° ano


LISTA DE EXERCÍCIOS

1. Leia com atenção o poema do poeta espanhol, Reinaldo Ferreira:

Receita para se fazer um herói

Toma-se um homem
Feito de nada como nós
Em tamanho natural
Embebece-lhe a carne
De um jeito irracional
Como a fome, como o ódio

Depois perto do fim
Levanta-se o pendão
E toca-se o clarim...

Serve-se morto.

a) Qual gênero literário tem por tema a trajetória de um herói?
b) Considerando que a origem deste tipo de narrativa remete à Antiguidade Clássica, explique por que o poeta diz que o herói deve ser “servido” morto?
c) Considere o herói dos romances modernos, e aponte as diferenças percebidas em relação ao herói clássico.

2. Leia o poema a seguir e responda o que se pede:


Fanatismo
Florbela Espanca
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”
Quando me dizem isso, toda graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”

a) Por que podemos afirmar que se trata de um poema lírico? Explique.
b) Em que forma lírica podemos classificá-lo? Justifique sua resposta baseando-se nos elementos estruturais do poema.
c) Apesar de ser um poema do Modernismo português (século XX), esse poema resgata algumas características das cantigas de amor. Identifique ao menos duas.

3. Leia o poema de Carlos Drummond de Andrade:

Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quis escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

a) Reflita e analise a proposta do poeta e em seguida explique a diferença entre “poema” e “poesia”.

4. Leia a canção a seguir:

Luísa
Tom Jobim

Lua, espada nua
Boia no céu, imensa e amarela,
Tão redonda a lua
Como flutua,
Vem navegando o azul do firmamento
E num silêncio lento,
Um trovador, cheio de estrelas
Escuta agora a canção que eu fiz
Pra te esquecer, Luísa
Eu sou apenas um pobre amador
Apaixonado, um aprendiz do teu amor
Acorda, amor, que eu sei que
Embaixo desta neve
Mora um coração.

Vem cá, Luísa,
Me dá a tua mão
O teu desejo é sempre o meu desejo
Vem me exorciza, dá-me tua boca
E a rosa louca
Vem me dar um beijo
E um raio de sol, nos teus cabelos,
Como um brilhante
Que partindo a luz, explode em sete cores,
Revelando em mim os sete mil amores
Que eu guardei somente pra te dar, Luísa.

a) Essa canção, embora composta no século xx, remete a uma estrutura lírica medieval. A qual forma lírica podemos associá-la?
b) Qual a temática desenvolvida por essa canção?
c) Releia: “Acorda, amor, que eu sei que/ Embaixo desta neve/ Mora um coração.” Qual comportamento da dama está indicado neste trecho? Por que esse comportamento era importante no que concerne ao “código do amor cortês”?

5. Leia com atenção:
A tentação de Percival

248. Persival olhou a donzela, que lhe pareceu tão formosa, que nunca vira donzela, cuja beleza chegasse à beleza que nela viu. Então começou-lhe a mudar o coração muitíssimo, que todo seu costume passou, porque o seu costume era tal que nunca olhava donzela por causa de amor, mas agora estava assim tocado de amor, que não desejava nada do mundo; assim que viu esta donzela, parecia-lhe que fora em bom dia nascido, se pudesse ter seu amor. E ela lhe disse:
 - Senhor, que conselho me dais sobre aquilo que vos disse? E ele respondeu assim como lhe o demo ensinava a cumprir seu desejo e prazer:
 - Donzela, não sei o que vos diga, mas se quiserdes fazer o que vos direi, aconselharei de modo que vos tenhais por muito bem paga.
 - Senhor, disse ela, não há nada no mundo que por vós não faça, salvante minha honra.
 E ele não respondeu àquilo, mas demandava-a de amores, e disse que, se quisesse ser sua amiga, a tomaria por mulher e a faria ser rainha de terra muito rica e boa.
 E ela disse que o não faria; ainda assim tanto insistiu com ela, que lhe veio a outorgar tudo que pedisse, contanto que fizesse o que lhe prometera. E ele estando nisto falando, eis que vem do céu um tão grande ruído como se fosse trovão, e fez tão grande rebuliço, como se movesse a terra, assim que Persival tremeu todo de pavor, e ergueu-se espantado, e ouviu uma voz que dizia: “Ai, Persival, como há aqui tão mau conselho! Deixas toda alegria por toda tristeza, donde te virá todo pesar e toda má ventura.”
E pareceu-lhe que aquela voz fora tão forte, que deveria ser ouvida por todo o mundo; e caiu esmorecido por terra, e ficou assim muito tempo. E depois acordou e olhou ao redor de si e viu a donzela rir, porque vira que tivera medo. E quando a viu rir, espantou-se e logo entendeu que era o demo que lhe aparecera em semelhança de donzela para o enganar e o meter em pecado mortal. Então ergueu a mão e persignou-se e disse:
 - Ai, Pai Jesus Cristo, Pai verdadeiro! Não me deixes enganar nem entrar na eterna morte; e se este é o demo que me quer tirar de teu serviço e separar de tua companhia, mostra-mo.

249. Assim que ele isto disse, viu que a donzela se tornou em forma de demo tão feio e tão espantoso, que não há no mundo ninguém tão valente que o visse, que não houvesse de ter grande medo. Daí aconteceu a Persival que teve tão grande medo, que não soube o que fizesse, senão que dissesse:
 - Ai, Jesus Cristo, Pai verdadeiro, Senhor, fica comigo.
 Então viu a tenda e quanto nela havia voar pelo ar, e, atrás dela uma escuridão, como se nela todos os do inferno estivessem; e ficou tão espantado disto que viu, que não soube que decisão tomar. E olhou ao redor desi e não viu outra coisa senão suas armas e seu cavalo, como se tudo de antes fosse um sonho. Ele estando maravilhando-se, viu vir pelo mar em sua direção uma nave tão rápida como mais podia vir nave, quando bom tempo tivesse favorecido, e tão depressa como se cem galés corressem atrás dela. Quando chegou perto, viu que era muito formosa e que andava coberta com um veludo branco e não demorou muito a olhar, que aportou diante dele, e maravilhou-se como podia vir, porque não vinha dentro marinheiro nem outra pessoa que a pudesse guiar, mas de todo o resto, estava tão bem preparada, que maravilha era. E ele nisto pensando, ouviu uma voz que lhe disse: “Persival, venceste; entra nesta nave e vai-te onde te ela levar e não te espantes de nada que vejas, e Deus te guiará onde quer que vás e tanto te acontecerá bem, que acharás todos os companheiros do mundo que mais amas, Boorz e Galaaz.”
 Quando isto ouviu, teve tão grande alegria que maior não poderia, e agradeceu muito a Nosso Senhor, e tomou suas armas e entrou na nave e deixou o cavalo na margem, e o vento deu na vela de modo que o fez tão depressa partir da praia, que, em pouco tempo, perdeu a vista da terra.
megale, Heitor. A Demanda do Santo Graal.

a) Por sua intensa circulação entre as cortes, as novelas de cavalaria eram um poderoso instrumento de divulgação da visão de mundo da sociedade medieval. No excerto lido acima, identifique um posicionamento ideológico e justifique sua escolha analisando uma passagem do texto.